Pensar em atendimento odontológico em domicílio até alguns anos atrás, poderia ser considerado um procedimento bastante incomum. Hoje, dentistas especializados em atender pacientes especiais, idosos com dificuldade de locomoção e outras doenças como Alzheimer, Parkinson sequelas de AVC entre outras, já podem contar com esse recurso, sem precisar se deslocar de sua casa. A entrevista “pingue-pongue” com a odontogeriatra, Dra. Denise Tiberio, profissional que atua há 30 anos no segmento de home care e day clinic, destaca a importância desse serviço.
Filha &Cia: Quais os procedimentos odontológicos e também da área da estomatologia (doenças da boca) que a pessoa idosa pode tratar em domicílio?
Quase todos os procedimentos odontológicos feitos em consultório fixo podem ser executados no domicílio (extrações, moldagem de prótese, limpeza, restauração, aplicação de flúor etc.). Tudo vai depender da cooperação (comportamento) e da situação sistêmica do paciente, além da habilidade do profissional. Hoje o que mais se encontra na área da estomatologia é a candidíase, resolvida prontamente através de terapêutica específica. Porém, quando há suspeita de tumor maligno e com necessidade de biópsia, o profissional opta por fazer em centro cirúrgico, devido à fragilidade do paciente, ou em consultório fixo.
Filha & Cia: Como é feita a anamnese do paciente idoso antes da realização do procedimento odontológico?
Eu tenho o hábito de fazer pela internet, onde já me informo sobre a queixa do paciente e me programo para o atendimento. Dependendo do estado sistêmico apresentado e da complexidade do procedimento, converso com a equipe que atua com o idoso para explicar o tratamento. Na primeira consulta sempre peço para que um representante legal esteja presente e oriento sobre a higiene oral.
Filha & Cia: Qual o instrumental que o dentista carrega nesse tipo de atendimento?
O atendimento odontológico domiciliar deve ser bem planejado previamente para que se transporte somente o instrumental necessário (sugador, laser, scanner, raio -x portátil etc.). Junto comigo vai um auxiliar para me ajudar e, em casos mais complexos, há a necessidade de um parceiro dentista também.
Filha & Cia: O tratamento em domicílio é idêntico ao realizado em consultório, com os mesmos resultados de eficiência?
Tudo vai depender da cooperação do paciente. Muitas vezes a pessoa idosa é acamada e se encontra numa posição rígida. Isso dificulta a tomada radiográfica com qualidade, ou mesmo um procedimento com a mesma eficiência. Quanto mais idoso for, maior a fragilidade, exigindo do profissional posições ergométricas e atendimento diferentes da rotina do consultório. Ele precisa de um espaço adequado com uma boa iluminação para conseguir uma boa visão da cavidade bucal e ter bom senso para levar o conforto e dignidade ao paciente, principalmente na fase paliativa. Todo e qualquer plano de tratamento pode ser realizado em domicílio, depende da real necessidade, destreza profissional, cooperação do paciente e manutenção do tratamento executado.
Filha & Cia: Qual o perfil do paciente idoso que pode ser tratado em domicílio?
O atendimento odontológico domiciliário é indicado para qualquer pessoa com comprometimento funcional ou cognitivo de maneira definitiva ou provisória (gestante, vítima de acidente de trânsito etc.). Tenho 30 anos de vivência com idosos. Nessa caminhada, encontrei pacientes acamados, com Parkinson, Alzheimer, diabetes, AVCs, osteoporose avançada, doenças pulmonares, etc. E também atendi muitos não acamados (usuários de cadeira de rodas ou cadeira especial), com depressão, síndrome do pânico, osteoporose, comprometimento funcional por consequência de cirurgias, AVC e doenças pulmonares obstrutivas.
A Covid fez com que os idosos permanecessem em casa, em quarentena. Muitos deles deixaram de se exercitar e isso favoreceu a perda muscular, dificultando a marcha e aumentado, assim, a necessidade de tratamento odontológico domiciliário.
Filha & Cia: Quais as dificuldades mais frequentes que o dentista encontra no atendimento ao idoso em seu domicílio e como contornar essa situação?
Essa modalidade de atendimento odontológico é relativamente nova, mas devido a população de idosos estar aumentando de forma galopante, a odontologia domiciliária está em alta.
No meu caso, que pratico a odontogeriatria, preciso conhecer o processo de envelhecimento no âmbito bio, psico e social, pois não é só a cavidade bucal que envelhece. É importante entender as doenças sistêmicas, as comorbidades e a polifarmácia, pois esse conjunto embasa a minha decisão sobre o planejamento odontológico. O envelhecimento é um processo individual, o que torna o idoso ÚNICO.
Filha & Cia: Como identificar se o idoso está com problemas odontológicos se ele não conseguir verbalizar?
Penso que o idoso não saiba exteriorizar o desconforto causado pela dor e pode se tornar agressivo, fazendo com que haja um aumento na administração de medicamento, por pensarem que essa agitação é reflexo da doença de base. Por isso é importante treinar e conscientizar quem cuida sobre a higiene diária. Com o avanço da idade a cavidade bucal torna-se mais frágil, há a diminuição de saliva, necessitando de hidratação e de uma higiene mais detalhada feita pelos cuidadores, sejam eles formais ou informais. Podemos pensar na falta de valorização da cavidade bucal, onde há o mito de que envelhecer é perder os dentes. Felizmente e lentamente essa visão está mudando.
Filha & Cia: A sedação para o procedimento é feita via medicamento ou, dependendo do caso (idoso muito agitado, por exemplo) o médico anestesista é chamado para acompanhar?
A sedação medicamentosa deve ser avaliada caso a caso, pesando os riscos e benefícios. Se necessário, após avaliação, um anestesista pode ser chamado para dar suporte durante o procedimento. Muitas vezes os anestesistas – dada a fragilidade do público idoso- opta por atuar em centro cirúrgico, pois no caso de intercorrência haverá respaldo do hospital.
Filha & Cia: Quais as principais características pessoais que esse profissional deve ter no trato com a pessoa idosa, além do conhecimento técnico?
O profissional tem que ser SER HUMANO, dominar as técnicas odontológicas e atualizar-se sempre. É muito importante conhecer o processo de envelhecimento para tomada de decisão e observar a biossegurança dos instrumentais e do ambiente onde vai atuar. E também ter empatia com a família e com o cuidador para manutenção do serviço executado. O retorno desse envolvimento é muito interessante pois os comentários mais comuns são de que o paciente ficou mais tranquilo após o tratamento.
Filha & Cia: Cite algumas dicas de higienização e outras condutas de saúde bucal para o cuidador adotar na sua rotina com o idoso.
A hidratação da cavidade bucal é muito importante . A saliva tem varias funções (digestiva, protetora e hidratante), porém, o que leva ao desconforto é a secura. A mucosa da boca ressecada pode se romper durante o manuseio no ato da higiene, abrindo uma porta de entrada de bactérias na circulação. Uma dica é borrifar água frequentemente na cavidade oral do paciente. Assim, ele tem mais conforto, dorme melhor, fica menos irritado. Isso pode ser feito até com os idosos que possuem comprometimento disfágico (dificuldade para engolir). Manter um umidificador ou uma bacia de boca larga com água no quarto também ajuda muito.
Outra sugestão é utilizar uma escova de dente macia e estimular – quando possível- o próprio idoso a fazer a sua higiene bucal e depois o cuidador complementa. Dentifrícios que interferem na formação da placa bacteriana também são bem- vindos e devem ser indicados pelo dentista.
O acompanhamento profissional periódico é importante para ser identificada qualquer alteração – comportamental ou bucal – em fase inicial, facilitando a intervenção e o planejamento.
Filha & Cia: Doutora Denise, qual o seu recado final aos familiares e cuidadores a fim de valorizar o bem-estar e a qualidade de vida do paciente idoso nos cuidados dentários?
A odontologia tem como objetivo sanar as doenças da cavidade bucal, incluindo dentes e mucosas. Ressalta-se que estamos num momento onde é a beleza é muito valorizada. No entanto, muitas vezes essa exigência faz com que o nosso idoso domiciliário seja submetido a procedimentos estéticos desnecessários, pois essa função não é a prioridade dele. Ele quer ter PAZ. Por isso, é fundamental que os profissionais que atuam no domicílio tenham essa visão de que muitas vezes é indicada a extração de todos os dentes, para que se proceda uma melhor higienização, conferindo mais diginidade à pessoa idosa.
Dra. Denise Tibério é cirurgiã dentista com especialização em Geriatria e Gerontologia, Periodontia e Odontogeriatria. É mestre em Ciências da Saúde e doutora em Saúde Coletiva (Unifesp). Habilitada em Odontologia Hospitalar. Organizadora e autora do livro “Alzheimer na Clínica Odontológica”. Coordenadora do Curso de Especialização em Odontogeriatria no Centro de Ensino Albert Einstein (SP).